Por: Rei Mandongue I
Benguela – O director do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias (CLEPUL) da Universidade de Lisboa, o historiador José Eduardo Franco, defendeu recentemente, em Benguela, a necessidade de a África recuperar a sua dignidade como continente berço da humanidade, através da adequação ao seu contexto dos modelos impostos pelo Ocidente, com vista a promover o desenvolvimento harmonioso.
O também director do Instituto Europeu de Ciências da Culturas, afecto à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, falava numa mesa redonda subordinada ao tema “A hiper-modernidade e o mito das nações” realizada pela Universidade Katyavala Bwila, no âmbito das festividades dos 393 anos de fundação da cidade de Benguela, que se assinalam a 17 de Maio.
Afirmando que a África deve perceber que a sua civilização tem a mesma dignidade que as outras, o historiador português admitiu que isso não significa o fechamento do continente às outras civilizações, mas que pode receber contributos para que dê mais ainda em vários planos com a mesma capacidade e grau de pertinência de importância.
O docente luso asseverou que a África é capaz de recriar e adequar os modelos que recebeu das outras civilizações ao seu contexto, podendo inclusive criar tecnologia, sistemas políticos e conceitos novos de acordo com a sua realidade, abrindo perspectivas mais promissoras para o futuro de África, para que seja um continente competente e que abandone as antigas vassalagens.
Neste momento, frisou a fonte, torna-se importante desenvolver-se um processo de reflexão que permitisse à África não importar modelos europeus, mas sim criar aqueles de carácter político, cultural e social mais adequado à genética sociocultural africana nas suas diferentes matrizes e tradições que é totalmente diferente do processo de afirmação do Estado na Europa.
“E não sei se muitas vezes o problema de África não tem sido o facto de ter importado modelos que depois não se soube adequar e recriar?”, questionou-se, assumindo que se deve repensar o processo histórico nos seus diferentes contextos e perceber até que ponto muitas das actuais crises não resultaram da implantação de modelos que depois criam ou repetem erros que outras culturas e civilizações já viveram.
Adiantou que no contexto da hiper-modernidade e da globalização cada vez mais acelerada já não se pode pensar naquela lógica do passado, em que se vivia num mundo compartimentado por continentes que não tinham bases comunicantes entre si e por civilizações que viviam na chamada “solidão de si” ou no processo de dominação de uma civilização em relação à outra.
“Estamos a caminhar cada vez mais para um processo civilizacional que deve passar mais por uma visão das civilizações do que a das velhas hierarquias civilizacionais que já não existem, senão as civilizações com dignidade, prestígio e riqueza próprias”, atestou, dizendo que o futuro da humanidade já não passa na perspectiva do domínio civilizacional mas na do intercâmbio, em que uma civilização possa dar algo a outra e vice-versa.
Segundo ele, hiper-modernidade, do ponto de vista psicossocial e cultural, quer dizer que muitas das conquistas do homem moderno resultando do uso da ciência foram hiperbolizadas, pois se nos séculos XVI e XVIII o desenvolver da ciência e da técnica dava a humanidade possibilidades novas, agora a partir do século XX e XXI com o desenvolvimento dos meios de comunicação social e o aparecimento da internet cria-se uma visão da humanidade totalmente diferente.
De acordo com o interlocutor, nesse sentido, aparece também o homem consumista e os shoppings, supermercados e hipermercados, o que permite, por um lado, que esta sociedade hiper-moderna crie constantemente novas necessidades e, por outro, active e multiplique o desejo humano de querer sempre mais, porque é infinito.
“Além deste aspecto positivo que é o de potencializarmos e realizarmos desejos, também corremos o risco que é o outro que se chama felicidade paradoxal na hiper-modernidade, criando situações de vazio, porque está-se sempre no processo de satisfação de desejos que se vão multiplicando através de necessidades novas e se o homem não é capaz de controlar esse assédio, acaba por criar uma espécie de ovo oco que também o pode abater”, concluiu.
Acompanhado das docentes universitárias Maria José Craveiro e Suzana Alves, que dissertaram sobre os temas “A Cibernética e os desafios da literatura” e “A Universidade como mundo do saber”, respectivamente, José Eduardo Franco está em Angola para dirigir palestras sobre história, antropologia e cultura, tendo já estado no Instituto Superior de Ciências da Educação do Uíge, onde a delegação lusa falou aobre a “História e Cultura africanas na visão europeia”
José Eduardo Franco, autor de mais 50 livros publicados, entre os quais destacam-se “O Mito de Portugal”, “A Ideia de Europa”, “O Mito dos Jesuítas I e II”,”O Mito Milénio”, “O Mito do Marquês de Pombal”,“Dança dos Demónios-Intolerância em Portugal”, “Ordens e Congregações Religiosas no Contexto da 1ª República”, “Entre a Selva e a Corte”,”Jardins do Mundo”, “Brotar Educação”, “O Padre António Vieira e as Mulheres”, “Padre António Vieira-Grandes Pensamentos”,”As Metamorfoses de um Povo”,”A Influência de Joaquim de Flora em Portugal e na Europa”,”Monita Secreta”, “Vieira na Literatura Anti-Jesuísta” e “A Descoberta de Manuscritos Inéditos”, viaja com frequência para dissertar temas de carácter científico em diversos países, como Brasil, Estados Unidos da América, Argentina, Equador, França, Inglaterra, Rússia, Polónia e Itália.
José Eduardo Franco é historiador, poeta e ensaísta, especializado em História da Cultura. Doutorado pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris em História e Civilização e Doutorado em Cultura pela Universidade de Aveiro. Tem desenvolvido trabalhos originais de investigação nos domínios da mitologia portuguesa e das grandes polémicas históricas que marcaram a vida cultural, política e religiosa de Portugal, sendo autor de vasta obra neste domínio.
Coordena actualmente um vasto projecto de pesquisa, levantamento e edição dos Documentos sobre a História da Expansão Portuguesa existentes no Arquivo Secreto do Vaticano financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e promovido pelo Centro de Estudos de Povos e Culturas de Expressão Portuguesa da Universidade Católica Portuguesa.
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